As 470 delegacias da Polícia Civil do Paraná estão desde setembro sem receber recursos para comprar a comida dos presos, abastecer viaturas e manter serviços básicos. Essa é a segunda vez no ano que o governo do estado atrasa em mais de dois meses os repasses do fundo rotativo, única fonte de subsistência das delegacias. Algumas estão à beira do colapso, sem poder colocar os carros nas ruas por falta de combustível ou tendo de dar salsicha todos os dias para os presos por falta de crédito com os fornecedores. A crise é maior nas cidades menores.
Os R$ 2,7 milhões mensais do fundo destinam-se aos serviços emergenciais e a materiais de expediente e de limpeza de todas as delegacias do estado, à alimentação de 12,5 mil presos recolhidos em 200 unidades do interior e ao combustível das 440 delegacias que não dispõem de postos próprios. Apenas as de Curitiba, Londrina, Maringá, Cascavel, Foz do Iguaçu, Ponta Grossa e Guarapuava possuem bombas próprias para o abastecimento. As delegacias das demais cidades do estado dependem do fundo para abastecer as viaturas em postos conveniados.
Culpa da burocracia
A Secretaria de Segurança Pública (Sesp) prometeu fazer o repasse às delegacias até terça-feira que vem. Os valores vencidos somam R$ 5,4 milhões. Em condições normais, a parcela de um mês é depositada até o dia 15 do mês seguinte. "Não pode passar do dia 17, por causa dos fornecedores", diz o chefe do Grupo Financeiro da Polícia Civil, Pedro Reichembak de Brito. Ele assegura que o atraso se deveu à burocracia e não à falta de dinheiro.
Segundo Brito, o governo atual decidiu fazer uma conferência geral nos procedimentos do repasse do fundo rotativo (que existe desde 1992), para checar se estavam dentro das normas legais, sem irregularidades. "Isso tomou tempo e provocou o atraso", justifica Brito. O problema é que essa não foi a primeira vez no ano. A atual administração estadual começou 2010 com um atraso superior a dois meses na transferência do fundo rotativo. Tanto no início do ano quanto agora, as delegacias precisaram improvisar para evitar o caos.
Na primeira crise do ano, a Sesp atribuiu a demora às implicações inerentes à transição de governo, como a necessidade de estudar cada uma das despesas. Negou ainda que o atraso decorreu da falta de dinheiro em caixa. Ou seja, o mesmo argumento de agora do chefe do Grupo Financeiro da Polícia Civil.
Consequências
O novo atraso do fundo já apresenta reflexos negativos no trabalho dos policiais. Um delegado do Litoral do estado, cujo nome não será revelado, por precaução, diz que há um mês nenhuma operação é feita na cidade. O jeito é comprar fiado, ainda que isso acarrete num custo moral para o delegado. "Como a cidade é pequena, os fornecedores acabam pessoalizando a dívida. É como se ‘eu’ não estivesse pagando", desabafou.
Nas cidades que fazem a guarda de presos provisórios, as refeições são preparadas no próprio distrito. Em uma cidade do Norte do estado, os 30 detentos estão há quase um mês comendo apenas salsicha. O mercado suspendeu as entregas até a quitação dos atrasados. "Os presos chegaram a iniciar uma rebelião, que foi contida. A situação está insuportável", diz o delegado. "O posto ainda está fornecendo combustível, mas a paciência do dono também está acabando. Só estamos atendendo emergências", afirma.
Burocracia deixa as viaturas de Curitiba dois dias sem gasolina
Mesmo com melhor infraestrutura em comparação com o interior, as delegacias de Curitiba também começam a sentir a escassez de recursos. O delegado de um distrito da capital sofreu com a falta de combustível no início da semana. "As viaturas da Polícia Civil estavam sendo abastecidas com gasolina emprestada da Polícia Militar", disse. A falta de recursos já afetou o trabalho administrativo e começa a prejudicar o de investigação. "As equipes não vão para as ruas. De um mês para cá, o trabalho de investigação na maioria dos distritos não existe."
A Secretaria de Segurança Pública (Sesp) nega o rumor corrente em algumas delegacias da capital de que o combustível estaria sendo racionado. O abastecimento de todas as viaturas de Curitiba é centralizado numa unidade da Polícia Civil na Rua Barão do Rio Branco, no Centro. As bombas ficaram a terça-feira inteira e a manhã de quarta sem gasolina. A culpa teria sido novamente da burocracia, como aconteceu com o atraso nos repasses do fundo rotativo para as delegacias.
O governo do estado informou ontem que o atraso na entrega desta semana não se deveu a qualquer problema com os contratos mantidos com as distribuidoras, a Petrobras e a Ipiranga. O problema estaria na formalização de cadastro, retardado por causa da revisão geral que o atual governo está fazendo nos contratos e pagamentos da administração estadual. É, portanto, a mesma justificativa informada para os atrasos nos repasses do fundo rotativo às delegacias de todo o estado.
Pires na mão
Dívida de R$ 200 mil em Castro
Ponta Grossa - Diego Antonelli, da sucursal, especial para a Gazeta do Povo
Para não interromper os serviços, as delegacias do Paraná precisam comprar fiado. Um exemplo é a delegacia de Castro, nos Campos Gerais, onde as dívidas com combustível e o alimento dos presos passam de R$ 200 mil. O atraso do repasse do fundo rotativo, responsável pelo custeio da delegacia, obriga o delegado Josimar Antônio da Silva a pendurar as contas. "A gente está funcionando normalmente, mesmo com atraso no repasse", ressalta.
Dessa forma, para custear os R$ 100 mil por mês em alimentação dos 115 detentos na cidade, ele conta com a colaboração dos comerciantes. "Os donos de mercado da cidade chegam a fazer tomada de preço para que a gente compre deles. Como é o Estado que paga, não há risco de calote. Mesmo que aconteça um atraso de 60 dias no repasse do fundo, assim que o dinheiro chega o empresário vai receber. Por isso, não temos problema", diz. Com isso, ele afirma que é possível manter, sem maiores dificuldades, a alimentação dos detentos.
Ele espera para a semana que vem a transferência do valor necessário para quitar as contas de outubro e setembro. "No final do ano devemos receber mais verba para não fecharmos o ano no vermelho, já que temos de ter nossas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas", diz o delegado.
O mesmo acontece com o gasto nos postos de combustível, estimado em R$ 4 mil mensais. "A gente não pode parar de trabalhar. Nossas cinco viaturas continuam fazendo os trabalhos normalmente. Os donos dos postos sabem que no fim das contas vão receber", salienta. O repasse do fundo rotativo está atrasado há dois meses. A primeira parcela do próximo ano só deve ser paga a partir de fevereiro. "Normalmente, a gente começa a receber o fundo entre fevereiro e março", revela.
Para a delegada-chefe da 13ª Subdivisão Policial, Valéria Padovani de Souza, que coordena as delegacias dos Campos Gerais, o atraso no repasse é recorrente. "Em 18 anos de polícia, sempre teve essa situação. Mas, isso não implica em impossibilidade de efetuarmos nosso trabalho", diz. Ela enfatiza ainda que o atraso do fundo rotativo é compreendido pelos comerciantes. "A gente conta com a colaboração dos comerciantes. Por isso, não estamos tendo problemas."
Direitos humanos
Presos dormem no cimento
De dois meses para cá, o preso encaminhado ao Centro de Triagem 2, em Piraquara, tem de levar seu próprio colchão se não quiser dormir no cimento. Em geral, a orientação é feita de maneira informal à família do detento, devido à precariedade da infraestrutura dessa que é a maior prisão provisória do Paraná, com mais de 1.400 presos. A situação já havia sido apresentada ao governo do estado há dois meses pela comissão estadual de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR).
Depois de vistoriar as instalações do CT2, a vice-presidente da comissão, Isabel Kugler Mendes, recorreu à primeira-dama do estado na tentativa de fazer valer os direitos dos presos. Só agora, no entanto, o problema está em vias de ser corrigido. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, foi autorizada ontem a compra de 957 colchões. A ordem de compra deve ser publicada na edição de segunda-feira do Diário Oficial do Estado.
Fonte: OAB/Londrina - por MAURI KÖNIG E FELIPPE ANÍBAL - Gazeta do Povo
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